terça-feira

Desabafo de um cão


Publicado no livro Contos e Poesias - Editora CBJE

Ultimamente eu tenho andado tão sozinho... Estou sujo e a minha casinha também. Fico horas sem comer e beber. Abano o rabinho, mas ninguém me dá atenção; parece até que fiquei invisível.

Quando eu era mais novo, era a alegria da casa. Todos adoravam ficar comigo. Às vezes, eu ficava tão cansado, mas disfarçava o cansaço e fazia o que podia para divertir a minha menina.

Relembro com saudades dos nossos momentos felizes. Eu andava sempre limpo e bem alimentado. Ela dizia que eu era seu único e eterno amigo. Não me dividia com mais ninguém.

O que ela gostava mesmo era de vestir umas roupas esquisitas em mim e de pentear meus pêlos. Eu não gostava muito, ficava parecendo uma boneca. E ainda, coçava demais; eu só sossegava quando conseguia arrancar toda aquela roupa.

Eu não gostava de ficar só em casa, mas entendia que os meus donos tinham que trabalhar e a minha menina tinha que estudar. No momento em que eles voltavam, eu ia recebê-los no portão. Pulava e latia muito; eles me colocavam nos braços e diziam que estavam morrendo de saudades. Aquilo pra mim era a melhor hora do dia. Eu me sentia tão especial...

O tempo foi passando, eu cresci; ela também cresceu. Um dia desses, pulei em cima dela, esperando que saísse comigo no colo e me levasse para brincar. Ao invés disso, ganhei a maior bronca:
- Cachorro louco! Sai daqui pulguento, não quero que suje a minha roupa.
Eu apenas obedeci. Saí de perto dela pra não apanhar.
Sabe, eu não entendo esses humanos. Eles são uns bichos tão estranhos!

Às vezes, eu tenho vontade de ir embora, sair pelo mundo afora à procura de um novo dono. Mas tenho medo do que eu vou encontrar. O mundo que eu conheço é o quintal aqui de casa. E afinal, será que a história não iria se repetir? Eu poderia conhecer alguém pra cuidar de mim e me amar, mas logo ia se cansar também. Acho que humano é tudo igual... Pensa que a gente é descartável!


2 comentários:

Francine Cruz disse...

que triste esse desabafo... mas é triste porque é verdadeiro... o ser humano acha q tudo é descartavel...
abraços

Alvaro Oliveira disse...

Olá amiga Liberdade

Quantas saudades de seus pot's.
Finalmente, depois de um interregno
temos o prazer de ler algo, embora
um triste desabafo de um cão, mas
que é uma realidade que sempre se constata. Os pobres animais são
muito queridos enquanto bébés,
quando já crescidos, sofrem o
abandono e o desprezo. A vida é
isso mesmo até para os pobres animais.

Um beijo

Alvaro